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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

FREUD E A EDUCAÇÃO



Prof. Gerson Nei Lemos Schulz






Como é de domínio público, Sigmund Freud (1856-1939) foi o criador da Psicanálise. Apesar de não ter se dedicado especificamente ao campo da escolarização (GADOTTI, 2005), ele deu significativa contribuição para este ao descrever o fenômeno da "transferência".

Freud conceitua a transferência ao afirmar que: "transferências são reedições, reduções das reações e fantasias que, durante o avanço da análise, costumam despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico" (FREUD, 1969a, p. 109-19). O autor descobre que no consultório, em alguns casos, havia a transferência de relações dos pacientes com outras pessoas que não o analista. Ocorria uma situação que era como se o terapeuta, naquele momento da sessão psicanalítica, se tornasse o "objeto", a pessoa com quem o analisando tivesse, originalmente, estabelecido a relação de conflito ou de amorosidade anterior ao tratamento.

Freud descobre que as atitudes emocionais – fundamentais para o futuro comportamento do indivíduo em sociedade –, são definidas desde a primeira infância a partir do relacionamento da criança com suas figuras parentais (FREUD, 1996e). É nesse momento que se estabelece "a qualidade e a natureza das relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e do sexo oposto. Todas as pessoas que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos" (FREUD, 1969b, p. 248). Logo, sob o ponto de vista da psicanálise freudiana, a transferência exibe o tipo de laço social que se construiu no ambiente familiar da criança.

Freud também fez descobertas quanto ao desenvolvimento mental – dentro do processo de fetalização humano – e o dividiu em cinco fases: 1) a fase oral (de 0 a 1 ou 2 anos) em que a boca predomina, especialmente quando a criança está sugando o leite materno que para ela é um prazer, onde a mãe é o objeto do prazer, onde é prazeroso "comer" a mãe, o corpo da mãe, onde a língua é um estímulo para conhecer o mundo. 2) A fase anal (dos 2 aos 4 anos) em que a criança, na descoberta do seu próprio corpo (suas possibilidades e limites) experimenta a sensação de "trancar", manipular as excreções como as fezes e a urina. 3) A fase fálica (de 3 a 5 anos) em que a criança aprende a se tocar, descobrindo os centros erógenos, os órgãos genitais, os centros de prazer, descobrindo uma de suas possibilidades na futura vida adulta. 4) O período de latência (de 6 aos 10 anos) em que a sexualidade fica "latente", ela não desaparece, mas não é um momento de tanto interesse pela mesma. 5) E, finalmente, a fase genital (de 12 aos 18 anos), em que o indivíduo descobre sua expressão sexual, suas capacidades reprodutoras, sua possibilidade de ter prazer sexual com a autoerotização (masturbação) ou com a descoberta do sexo propriamente dito (FREUD, 1996e; 1996c).

Em termos sexuais, a psicanálise também parte de dois pontos de vista: o "complexo de Édipo" e a "Castração". O "Complexo de Édipo" se dá depois do desmame, em que o menino sente atração libidinal pelos membros do sexo oposto da própria família, geralmente a mãe – rivalizando com o pai – e a menina sente, da mesma forma – tal atração, mas pelo pai, sendo a mãe sua 'rival'. O medo da Castração surge devido ao medo de ser reprimido por sentir esse desejo pela mãe ou pelo pai (incesto). Freud teoriza que o medo da "Castração" é importante para amenizar e equilibrar o desejo libidinal da fase edipiana, mas é aí nesse momento, também, que podem ser originar a maioria das neuroses da idade adulta porque, em algumas pessoas, ocorre a "fixação" (FREUD, 1996b) em alguma dessas fases (o que pode se tornar patológico), por exemplo, indivíduos com fixação na fase anal podem ter a tendência à esquizofrenia. Mas para tal é preciso ter em mente que, de acordo com a teoria psicanalítica, não somos seres apenas racionais, vivemos também sob a égide dos instintos e sentimentos e somos seres que agem de acordo com seus próprios interesses. Nesse sentido é possível inferir das obras da psicanálise que somos egoístas e, mesmo sendo altruístas ao ajudar ao próximo, ainda assim fazemos isso porque, de certa forma fazer tal ação nos dá prazer e prazer é o princípio básico que nos move (FREUD, 1996a). Então, a partir daí ousamos dizer que somos "todos um pouco neuróticos", uma vez que sempre teremos algum desejo que não conseguiremos satisfazer e teremos de reprimi-lo. E essa repressão aflorará em algum outro momento de nossas ações e interferirá nas nossas escolhas conscientes e muitas vezes causarão desconforto. Assim Freud (1996d) assinala que todas as relações são permeadas por energias psíquicas que vem de uma região obscura e inacessível de nosso encéfalo, da região inconsciente ou subconsciente já que na visão da psicanálise o psiquismo humano está dividido em três estruturas básicas: o Id (do latim isto) subconsciente, fonte das pulsões, o Ego (do latim, eu), parte central da personalidade, responsável pelo pensamento consciente, lógico e racional, e o Superego (acima do eu), constituído pela moralidade e pela autocensura (FREUD, 1996d).



Para evitar as neuroses, especialmente, e a partir dos pressupostos acima e nossas leituras da obra de Freud ousamos pensar uma prática educativa sem o uso da violência, respeitando os alunos, pensar a relação entre a psicanálise e a educação.

A psicanálise nos mostra que a relação pedagógica não se resume ao planejamento, ao método de ensino, nem ao conhecimento da capacidade intelectual dos alunos. Os preceitos psicanalíticos tentam desvendar "o mundo oculto e subjetivo" que existe em cada um dos agentes educativos, pois admite que cada um deles sofre as pressões causadas por seus desejos reprimidos.


Sobre a "teoria da transferência" o próprio Freud (1969b) afirma que, da mesma forma que ocorre com o paciente no consultório, um aluno ou aluna é capaz de "transferir", na vivência com o professor – para este – simpatias e antipatias que, provavelmente, não existam na relação ou ainda antes mesmo de se estabelecer qualquer relação com o professor além da visual durante uma aula. Um exemplo típico é quando um aluno vê, conversa ou apenas assiste a uma aula de determinado professor na escola ou na faculdade e internamente não simpatiza com o mesmo, sem nunca tê-lo visto antes na vida.

Para Freud o aluno está propício a despertar pelo professor uma série de sentimentos (e vice-versa): amor e ódio ou censura e respeito. Há forte tendência do educando em ver no professor o "pai" e na professora a "mãe" ou os irmãos e as irmãs e tentar estabelecer com estes(as) as mesmas relações (conflituosa ou não conflituosa).


Longe da possibilidade de escolha do professor, este é alvo do que Freud chama de "herança sentimental". Isso se caracteriza pelo fato de os alunos "interpretarem" as características dos professores e construírem uma "interpretação" que pode ser ilusória.

Freud também discutiu a respeito da repressão sexual no âmbito escolar. O pai da psicanálise via no mundo adulto muitos desajustes provenientes de conflitos e frustrações que provinham da infância, especialmente os fenômenos ligados à sexualidade infantil. Para ele, a psicanálise não apresentava "dificuldade" em explicar sentimentos contraditórios que os seres humanos sentem, inclusive a psicanálise freudiana chama este fenômeno de "ambivalência". Em função dela temos a capacidade de amar e odiar, respeitar e criticar ao mesmo tempo.


Assim Freud constrói uma "imagem" do processo educativo que, podemos afirmar, é a intenção coletiva de modelar os jovens de acordo com os mais velhos. Ela é o "agente transmissor do princípio da realidade" frente ao princípio do prazer.

Em termos pedagógicos, pensamos que o professor que se orientar pela teoria psicanalítica em sala de aula não se preocupará apenas em ministrar um tipo de aula que transmita conteúdos, mas também em observar as reações dele e dos alunos sobre o conteúdo abordado, sobre as práticas pedagógicas, sobre a avaliação por ele praticada, pela interação entre os alunos e ele e entre os próprios alunos entre si. Ao agir assim, ele poderá interpretar para entender o que há por trás dessas reações, ou seja, descobrir que desejos estão sendo reprimidos e liberados pelos alunos e por ele enquanto professor, e um método para isso é valorizar a liberdade de expressão na sala de aula.


Um docente que se guie pela psicanálise sabe que o conhecimento é permeado pelo desejo. Sabe que a assimilação de um dado tipo de conhecimento não possui somente o aspecto intelectual, possui também o aspecto emocional que é, em grande parte inconsciente. Isso explicaria porque alguns alunos gostam mais de determinada disciplina ou conteúdos do que outros. Porque um aluno ou outro gosta mais de um professor que de outro. A origem dessas situações é desconhecida até hoje, inclusive pela neurociência, que ainda trabalha com o conceito de "inconsciente" freudiano para teorizar sobre tal fato.

Por outro lado, o leitor pode estar se perguntando: "então se eu, como professor, quiser tomar por base a psicanálise em sala de aula terei que agir como um psicanalista da turma? A resposta é "não". Por isso é preciso ter cuidado para que entendamos bem o que Freud e sua psicanálise sugerem em relação ao professor e a educação. A ideia não é que o docente seja o psicanalista de seus alunos, e sim que ele seja uma pessoa atenta para o fato de que ensinar não depende somente de conhecimentos teórico-metodológicos ou de uma boa erudição professoral. O que a teoria freudiana faz é mostrar ao educador que existem limitações nos processos pedagógicos para que ele possa impor menos o autoritarismo das teorias pedagógicas, menos seu próprio autoritarismo, suas concepções de mundo como se fossem as únicas e também seus preconceitos; construindo, assim, uma relação com os alunos de compreensão, de aceitação de concepções contrárias as suas e até de comportamentos desde que se restrinjam (estes comportamentos) ao limite do tolerável (que não cause a desintegração do grupo), por exemplo: o que fazer com um aluno violento? Certamente não "tolerá-lo" desta forma, mas procurar saber se a origem desse comportamento se deve à resistência dele em relação ao processo pedagógico, às avaliações, ao grupo, à pessoa do professor ou se ela tem outra causa como a relação familiar, por exemplo.

Para concluir, o professor que partir desses princípios pedagógicos terá que levar em consideração diversas variáveis (e muitas delas latentes ou com origem desconhecida) que interferem no processo de aprendizado dos alunos ou em seus comportamentos em sala de aula, no trato com outros colegas e com o próprio professor. Esse professor terá que ter também liberdade para criar outros métodos, outras perspectivas de ensino que levem em consideração que o sucesso ou o fracasso de alguém na vida escolar tem sua causa mais nas relações interpessoais do que em metodologias de ensino ou materiais didáticos. É claro que essa atitude docente teria pouco efeito prático se em uma turma escolar, apenas um professor agisse assim. Pensamos que uma experiência dessa magnitude teria que ser praticada por toda uma escola ou por toda uma rede de ensino, mas daí talvez surja outro ponto a ser trabalhado, a perspectiva dos conflitos interpessoais, especialmente em crianças e adolescentes que, em sua maior parte não diferenciam as origens desses conflitos (às vezes nem percebem que estão em conflito consigo ou com outras pessoas) porque tais conflitos podem também ter origem fora da escola, na família. Provavelmente um trabalho cujos resultados não fossem contraproducentes ou pedantes teria que, de alguma forma, envolver também as famílias no ambiente pedagógico, não como auxiliares – o processo de escolarização ainda cabe ao professor – mas como agentes de apoio a crises que – às vezes – estão além do poder de resolução da escola e dos agentes públicos em geral.


Referências:


FREUD, Sigmund. Além do Princípio do Prazer [1920]. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996a.

______. Conferência XVIII: fixação em traumas – o inconsciente [1916]. In: Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago, 1996b.

______. A dissecção da personalidade psíquica [1933]. In: Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996c.

______. O eu e o isso. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996d.

______ A Organização Genital Infantil. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996e.

______. Pós-escrito do caso Dora. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1969a.

______. Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1969b.

GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005.

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