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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O QUE É UMA TESE?


Por: Gerson Nei Lemos Schulz


CUIDADO: ESTE ENSAIO CONTÉM PERGUNTAS IMPRÓPRIAS PARA AQUELES QUE TÊM CERTEZAS ABSOLUTAS E FÉ INCONDICIONAL NAQUILO QUE FAZEM NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO.










A pergunta do título foi feita outro dia para o autor deste texto em função de que ele tenta escrever uma tese, mas sem estar plenamente convencido que isso tenha alguma importância além de engordar o currículo Lattes no CNPq. A resposta dada foi a seguinte ao interlocutor: "a minha tese é como uma amante: penso nela todos os dias, durmo com ela, sonho com ela, mas nós não nos amamos!"


A resposta foi irônica porque essa pergunta não é fácil de responder. Caso fosse, certamente não renderia tantos livros e discussões e nem seria alvo de seminários que duram semestres inteiros nos cursos de pós-graduação das universidades do Brasil e do mundo.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – diz que este tipo de trabalho é um trabalho técnico e que deve ser inédito. Não há limites de página para realizá-lo. E, nos diferentes cursos universitários, elas diferem muito. Por exemplo, é possível que se escrevam teses de mil e setecentas páginas como uma que está na PUC de Porto Alegre e outras bem menores, com duzentas ou cento e poucas páginas. Tudo depende da natureza do curso e do assunto tratado.

É também possível que em doutorados de Matemática se escrevam teses de vinte páginas (nesses casos geralmente elas contêm apenas cálculos), ou na área de agronomia em que um aluno doutorando pode acompanhar um processo como, por exemplo, o experimento de uma nova ração para frangos por determinado tempo e verificar, medir, qual o efeito dessa ração na postura das galinhas.
Parece que não há uma receita para determinar o que é uma tese, apenas pode-se diferenciá-las. Mas o objetivo desse texto é comentar sobre as teses na área da educação e é aí que é difícil! Fica difícil porque atualmente se fala muito na "crise da educação", mas essa crise que a academia em geral fala não é o fato de o governo, por exemplo do RS e de mais 12 estados, não pagar o piso salarial (e essa é uma crise concreta que em muitos casos impede a sobrevivência do professor).

A suposta crise que a academia sofre, e sofre sozinha porque não a divulga muito, (pois onde essa discussão encontra espaço em programas populares no rádio ou televisão?) é outra, é uma crise epistemológica. Isso é mais complicado! Complicado porque essa crise o professor da escola básica (que tem que cumprir seu plano de curso, complementar horários organizando festinhas para angariar fundos para o caixa da escola, fazer serviço de secretaria e até de faxineiro) dificilmente toma conhecimento.

O professor que está na "raiz" do sistema escolar/educacional precisa transmitir o que ele sabe ou o que o livro didático determina porque os pais querem que seus filhos sejam aprovados no vestibular e a direção da escola não quer perder as verbas governamentais, fato que ocorre se o número de reprovados ou evadidos for alto.
 
Grosso modo a crise epistemológica é essa: como provar que o método dialético é melhor porque dá mais amplitude que o método funcionalista? Ou que a hermenêutica é melhor que a fenomenologia? É possível escapar do teor ideológico dessas posturas metodológicas?
O mal-estar se dá quando o pesquisador, seguindo o atual modelo de ciência (que é Moderno), percebe que já tem as respostas prontas em sua mente e apenas consulta a realidade, recortando-a para caber em suas categorias. É isso que o renomado prof. pelotense Jandir Zanotelli chama de "cortar o pé para caber no sapato".
Em outras palavras, dá um mal-estar perceber que passar meses se condicionando, deixando de fazer outras coisas mais atraentes para escrever um trabalho desses é produzir um texto que apenas dirá ao mundo (aos pares porque a tese dificilmente sai do âmbito acadêmico!) a sua singela "opinião bem fundamentada" sobre algo. Isso fica evidente na área de história da educação em que uma pessoa se preocupa em narrar "coisas esquecidas" pelos outros. E quando dois ou mais pesquisadores discordam sobre a interpretação de um terceiro, cria-se uma tarefa inglória (saber a verdade), já que nenhum dos envolvidos poderá jamais conhecer a verdade daquilo que discutem nem mesmo se utilizarem o método mais rigoroso!
Quanto as teses em filosofia da educação (hoje) o que são elas? Que prática é essa de dissecar determinado autor defendendo-o contra tudo e contra todos os opositores? - E ainda há doutores que se prestam para defender até mesmo os preconceitos dos filósofos medievais. Tudo em nome da exegese!

Extraem-se dos autores até mesmo aquilo que eles jamais podem ter querido dizer em vida!
E diferentemente, quando nessa área se produz algo realmente original, em um país agrário como o Brasil, o mal-estar é saber que as ideias, fruto de um esforço enorme, não terão efetividade alguma talvez nem a longo prazo, pois que filósofo, educador, pedagogo  é convidado pelas Comissões Parlamentares (Senado e Câmara) para dar o ar de sua graça na formulação das leis educacionais? Que teses de filosofia da educação os senhores Senadores e Deputados leem para fazer suas propostas?

Mas e os métodos! Análise de conteúdo, análise de discurso, ambas estão na moda e, infelizmente, ambas são confundidas com a mesma coisa. Mas se Olabuenag e Ispizua (OLABUENAGA, J.I. R.; ISPIZUA, M.A. La descodificacion de la vida cotidiana: metodos de investigacion cualitativa. Bilbao, Universidad de deusto, 1989.) estiverem certos, nem análise de discurso ou de conteúdo são métodos, pois derivam da hermenêutica (embora sem muita certeza) classificada como método porque vem desde a Antiguidade, desde Platão, inclusive. Então elas são técnicas de interpretação, apenas.
E ainda tem a lógica! Até o século XIX pensou-se que a lógica formal era perfeita e estava plenamente desenvolvida (Kant diz isso em sua 'Lógica'). Mas G. Frege e B. Russell mostraram que essa proposição era falsa. Surgiu aí a lógica matemática com notações simbólicas e com a possibilidade do cálculo proposicional que pode mostrar, com cálculos, as falácias do discurso e criar uma linguagem completamente nova. Isso permitiu o surgimento dos computadores.
Os positivistas e neopositivistas adoraram, pois a partir daí seria possível determinar de uma vez por todas "exatidão" nos conceitos das ciências humanas. Isso valeu até surgir o II Wittgenstein com seus "jogos de linguagem". Ele concebeu elementos para fazer refletir que mesmo que um leão falasse inglês não entenderia nada do que um londrino dissesse porque não entenderia os contextos de fala. A lógica também é uma interpretação!

Mais uma vez se esvaiu o sonho de muitos filósofos em construir a unificação das ciências, e de uma vez por todas, enrijecer os abalados pilares das ciências humanas, especialmente da Filosofia e da Pedagogia. Hoje se tem, com Newton da Costa (um brasileiro renomado fora do Brasil), a lógica paraconsistente, uma lógica que mostra que a lógica matemática também não é plena, pois ainda apresenta contradições em universos distintos!

Fora do âmbito lógico, já no âmbito da teoria do conhecimento em educação, Marx, Nietzsche e Freud tinham lançado severas dúvidas sobre o que é ou deve ser educar alguém. A pergunta que fica das leituras desses filósofos é: "que significa educar alguém?" "Para que educar?" "Que autoridade alguém pode ter para educar outrem?" "Qual a legitimidade da escola?

Por exemplo, dirá Freud: como a escola alemã clássica (uma das melhores do mundo em termos de qualidade de ensino) pôde produzir homens que se odiavam tanto na I Guerra Mundial e pessoas capazes de cometer as maiores atrocidades sem a mínima reflexão? É preciso acrescentar que Freud não viu o fim da II Guerra e, especialmente, o que os alemães (que encarnaram o nazismo) fizeram com os judeus. Até mesmo um filósofo (hoje clássico) como Heidegger aderiu ao nazismo convictamente.

Outro golpe veio nos anos 1960 com os franceses Bourdieu e M. Foucault que abalou ainda mais a educação. Ambos demonstraram que ela não passa de mera intervenção ideológica de outrem, o adulto sobre um "incapaz", a criança. Eles questionaram e derrubaram "certezas", princípios de segurança, alicerces da Filosofia e também da Pedagogia com perguntas como: "o que é ser normal?" "Quem garante que os valores reproduzidos pela escola são parâmetros de normalidade?" "Que garantias há de que a cultura ocidental é sadia para ser ensinada a uma criança?" "Que autoridade alguém tem para punir uma criança caso não obedeça essa cultura ocidental?"

A crise é não ter respostas convincentes para esclarecer: "que sentido tem escrever hoje uma tese na área da educação?" "Que relevância tem apresentar uma tese (enquanto proposta original de novos rumos para a educação) à sociedade brasileira se a própria universidade ainda segue um modelo departamentalizado que é herança do Golpe de 1964?" "Se até a escola pública segue padrões mercantis que condicionam a liberdade de pensamento?" "Qual curso de Pedagogia hoje no Brasil tem algo relevante a dizer para o professor que está no 'front' da escola pública ganhando 'salário de fome'?" "Qual curso de pós-graduação nesse país faz pesquisa de ponta em educação e cujas pesquisas (dissertações e teses) conseguem superar a mera descrição de situações empíricas que ocorrem no cotidiano da escola?" "Que valor tem tais descrições/teorizações acadêmicas para os professores que realmente as vivenciam no cotidiano da escola?"
 
E mais: "que relevância existe no fato de um pesquisador se ultraespecializar em determinado autor ou apenas em uma das fases da vida intelectual deste e passar sua vida acadêmica inteira preocupado com o critério CAPES de produtividade 'endeusando' seu 'papa'?" "Que sentido existe em uma pessoa fundar dentro de um departamento de universidade uma 'igreja' para 'cultuar' autor A ou B e estabelecer daí, com outras 'igrejas', um embate insano na luta por recursos, bolsas, fomento, poder, prestígio?"

Estes são os critérios de normalidade acadêmica? É seguir e obedecer este critério que dá autoridade (que autoriza) um mestre ou doutor a educar uma criança e puni-la caso ela não queira seguir o modelo? É nessa autoridade que se funda o alicerce daquela instituição que se organiza dentro de um prédio cercado, com deveres e poucos direitos, obrigatório pelo Estado, com professores (pseudocarcereiros mal pagos, destreinados, empobrecidos) a transmitir a "cultura"?
Escola, lugar em que,  por outro lado, os alunos (pseudo prisioneiros) se rebelam não contra o sistema porque nem o percebem mais, mas contra seu próximo (também condicionado, o professor: esfaqueando-o, estuprando-o, matando-o) e cada vez mais amparados por uma legislação opaca como o "ECA"; ou a "LDB" que não foi elaborada por "autoridades" da área da educação, mas por políticos (boa parcela preocupados com cargos e em atender setores que financiaram suas campanhas) leigos no assunto.
Diante de tudo isso os autores de teses deveriam se perguntar: o que querem com isso? Seu trabalho será mais um a figurar nas estatísticas do Ministério da Educação para que os governos possam justificar ao Banco Mundial que estão gastando com a educação (que nunca é vista como investimento)?

E será a tese destes autores mais uma a empoeirar nas prateleiras das bibliotecas? A ficar à disposição nos sites de pesquisa de domínio público que é consultado por apenas minoria dos brasileiros?

Essas perguntas o autor deste trabalho se faz todos os dias desde que se tornou mais um gerúndio (doutoraNDO) nas estatísticas do MEC sem encontrar respostas. Será que é por causa de perguntas assim que aumenta a cada dia o número de professores doentes e alcoólatras?

Carpe Diem!