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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DEMOCRACIA, MONARQUIA OU DITADURA?


Gerson N. L. Schulz


ATENÇÃO: se você é uma pessoa que não consegue dialogar com a opinião alheia e pensa que palavrão é argumento, não leia este texto. Ele é para pessoas inteligentes e não para você que, na falta de argumentos, só sabe grunhir.


Diante das crises políticas e da corrupção atuais no Brasil, ouço algumas pessoas alardeando em filas de ônibus, de banco ou no mercado que "na época da ditadura era melhor". E outras ainda dizendo que o Brasil deveria voltar a ser uma monarquia.

Opiniões a parte, me pergunto "por que algumas pessoas dizem tais coisas se nas épocas das ditaduras e da monarquia também havia corrupção. Sabe-se hoje que no período em que os militares comandavam o Brasil, a corrupção também existia; ela era apenas velada, escondida e a imprensa não podia dizer nada além daquilo que o regime deixasse. Pergunto-me também: "por que alguns querem de volta uma forma de governo anacrônica que já faliu historicamente em nosso país e que hoje foi superada por aqui, como é o caso da monarquia?

Alguns dos maiores descalabros brasileiros ocorreram na monarquia: tomada abrupta das casas legítimas dos colonos por D. João VI, exploração da riqueza das Minais Gerais com ônus para a colônia, escravidão indígena e africana, cobrança de impostos pela Coroa Portuguesa cuja pecúnia era investida no exterior e não aqui, invasão da Guiana Francesa, do Uruguay, destruição quase total do Paraguay, as guerras separatistas em função dos descontentamentos com a monarquia e a tirania do Imperador. No campo econômico, apesar da abertura de um dos maiores patrimônios do país, o Banco do Brasil, o mesmo D. João o defenestrou quando de seu retorno a Portugal, além da perseguição política ao Barão de Mauá, cuja visão progressista e empreendedora tinha grande possibilidade de por o Brasil dentre os países mais ricos do mundo. 

É por isso que, para aclarar essas discussões, esse artigo propõe uma reflexão sobre o tema e trata dos tipos de governo. Quais são? Como são?

De acordo com o dicionário de filosofia de Nicola Abbagnano, o historiador Heródoto pergunta: "Como poderia ser um governo bem instituído se apenas um só homem governasse? Se ele pode fazer o que quer sem dar satisfação a ninguém? Por isso, segue Heródoto, o monarca tende a tornar-se tirano".

Assim, contrariamente, o governo do povo (democracia) é o melhor, diz Heródoto, porque neste tipo de governo todos são iguais. Em contrapartida, este também tende a degenerar e a tornar-se desenfreada demagogia, com o tempo. Então, na conclusão do filósofo, "a melhor forma de governo é uma boa monarquia".



Platão, por seu turno, diz em "A República", que a aristocracia (governo dos melhores, no caso platônico, o dos filósofos) é o melhor. Mas adverte que a aristocracia pode degenerar em timocracia, isto é, no governo fundado na honra que nasce quando os governantes se apropriam de terras e das casas de outrem.

A outra forma de governo é a oligarquia. Um governo baseado no patrimônio, no qual apenas os ricos governam.

A quarta forma é a democracia, na qual a todo cidadão é lícito fazer o que quer. Mas o tipo extremo de degeneração política é a tirania, que pode nascer da excessiva liberdade da democracia, segundo ele.

Assim, é na obra "O Político", que Platão distingue três formas de regime político: o governo de um só; o governo de poucos e o governo de muitos.

Essas formas, segundo sejam regidas por leis ou desprovidas de leis, motivam respectivamente o governo tirânico, o governo aristocrático e o governo oligárquico, e as duas formas da democracia: a regida por leis e a demagógica.

Vamos pensar sobre os dois casos citados na introdução do artigo, a monarquia e a ditadura?


A monarquia é hereditária, sendo assim, mesmo que um rei seja corrupto, ele não poderá ser substituído por outro cidadão, pois caso seja substituído (o que é muito difícil em uma monarquia) o será por um "nobre", isso quando não ocorrem disputas familiares motivadoras de guerras civis como a que houve com Pedro I quando deixou o trono brasileiro para lutar pelo reino de Portugal contra seu irmão, Miguel, em 1831.


No Brasil, antes de sua partida definitiva e de sua morte na Europa, Pedro de Alcântara criou os Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador (quatro poderes). Na prática de nada valeu essa divisão, pois todas as decisões do Parlamento, do Senado e da Justiça, tinham que ser aprovadas pelo Poder Moderador (que era exercido pelo Imperador) e o permitia se intrometer nas decisões dos outros Três Poderes.

Além de ser uma figura autoritária, tendo em vista suas violentas reações contra os opositores, Pedro de Alcântara também fechou a Assembleia Constituinte em 1824 por discordar de seus pares liberais, que ele mesmo convidou para redigir a Constituição.

O detalhe é que aqueles seus convidados eram somente grandes proprietários de terras escravagistas, grandes comerciantes e homens letrados. O povo brasileiro de fato (camponeses, jornalistas, artesãos, pequenos manufatureiros, pequenos comerciantes, pequenos proprietários) ficou de fora daquele projeto de poder. 

Em relação ao Parlamento dos Deputados, criado pelo Imperador, este era eleito para um mandato de quatro anos, mas quanto aos Senadores, estes eram vitalícios e o Poder Monárquico era hereditário. Na prática, o povo continuou excluído do projeto político brasileiro.

Logo, defender que esse modelo político é, hoje, o melhor para o Brasil se torna algo difícil, pois quem seria o rei brasileiro? Ele seria eleito? Seria aclamado? E se fosse aclamado, quem dentre todos os brasileiros goza de condições morais ilibadas, intelectuais e outras para ser o rei?



Ademais, a maioria das pessoas desejaria renunciar ao poder de livre escolha de seus candidatos aos cargos eletivos? Estaria a maioria dos brasileiros disposta a (na monarquia) se tornar súdito de um rei, sendo obrigado a "beijar-lhe" a mão como também dos "nobres"? Mesmo que essa monarquia fosse constitucional, teria a Constituição força para evitar os excessos dos Poderes, garantir direitos iguais a nobres e a não-nobres?

E a ditadura? Será que a democracia brasileira tornou-se completamente demagógica já que essa é a degeneração desse regime, como aponta Platão?

É esse o motivo pelo qual alguns cidadãos dizem que "na época da ditadura era melhor?"


O mundo tem muitos exemplos de ditaduras (tanto de 'esquerda' quanto de 'direita'). Sabe-se também que em nenhum lugar onde houve uma ditadura de qualquer natureza a sociedade que por ela é regida foi ou está feliz. E é sabido hoje por todos que a ditadura militar brasileira foi uma das piores formas de governo já adotados em um país. É sabido que houve mortes e perseguições a dezenas de cidadãos (operários, jornalistas, professores, médicos e etc. que discordavam do regime), controle de pessoas e instituições, censura artística, cultural e educacional. Houve abusos do governo central, ou seja, do Estado contra cidadãos e é tal fato que é alvo da crítica daqueles que não concordam com os regimes de exceção.

É nesse sentido que se diz que os militares têm até hoje uma dívida histórica com o povo do Brasil (pelo fato do Estado regido por eles ter cometido crimes contra seu próprio povo, dentre eles a obtenção de confissões sob tortura dos inquiridos) e também porque a ditadura expulsou do poder um presidente legitimamente eleito pela vontade popular!

Não é possível ignorar a falta de liberdade que viveu o Brasil entre 1964 e 1985 por causa do regime militar que teve como seus maiores símbolos os famigerados Atos Institucionais (dentre eles o AI-5).




É verdade que o Brasil ainda sofre o problema da corrupção, mas isso é motivo para condenar à morte o regime democrático? É só a democracia que sofre desse mal?

A democracia exige responsabilidade. Exige que as pessoas (a sociedade) faça sua permanente manutenção. E por isso não se deve esquecer, também, que quem elege os políticos é o povo. O poder de votar é garantido pela democracia que o Brasil vive hoje e, em boa medida, a causa da corrupção são alguns políticos eleitos e não a democracia. Como a democracia precisa de responsabilidade e interesse público para funcionar, a falta de compromisso de alguns eleitores que não investigam melhor seus candidatos também contribui para o surgimento da demagogia que é a degeneração da democracia.

Também há responsabilidade da Justiça Eleitoral (que ainda é morosa), há falhas de alguns candidatos que só pensam, como alertou Maquiavel, em conquistar o poder para usufruir dele para si mesmos e há problemas quando se observa a inexistência de mecanismos punitivos mais eficazes contra os maus políticos que se escondem sob a imunidade parlamentar

Enfim, a discussão não se fecha aqui mas dentre todos os modos de governo citados, faço um convite, se pergunte: qual deles permite maior grau de liberdade ao cidadão? Qual deles permite a alguém ou a algum grupo descontente com a situação, protestar contra esse mesmo regime? Protestar contra o governo? Qual desses regimes permite o impeachment de um líder? Qual deles aceita que pessoas das mais diferentes classes sociais tenham os mesmos direitos (ainda que, infelizmente, estejamos no Brasil longe da perfeição nesse quesito)?