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domingo, 28 de março de 2010

A FILOSOFIA E O CRISTIANISMO

Gerson N. L. Schulz




Pitágoras representado por Rafael Sanzio
em sua celebrada pintura 

Escola de Atenas.
"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei." Esta famosa frase atribuída ao personagem Jesus de Nazaré aparece nos evangelhos como sendo um dos maiores ensinamentos éticos que o Ocidente recebeu da religião judaico-cristã. Entretanto, ela não é de Jesus. Esta frase faz parte dos ensinamentos do filósofo Pitágoras (segunda metade do século VI a.C.) em sua escola chamada pitagórica que ficava na região da atual Itália.

Outra influência da filosofia no cristianismo é sobre o costume comum nas missas de se rezar pela "alma" de alguém como se alma e corpo fossem separados. Essa ideia de alma e corpo separados após a morte não é original do cristianismo, mas dos cultos órficos que influenciaram a cultura e a filosofia gregas com interpretações de Pitágoras, de Sócrates (469 a.C) e sistematizadas por Platão (427 a.C.) que acreditavam na reencarnação e não na ressurreição. 

No judaísmo e, consequentemente no cristianismo, é equivocada a prática de "rezar" pela "alma" de alguém, pois não há separação entre o corpo e a alma como ocorre no espiritismo oriundo do platonismo. Tais práticas acontecem no cristianismo porque é evidente a influência da filosofia platônica e aristotélica nas crenças cristãs, especialmente por causa de Santo Agostinho (430 d.C.) leitor de Platão, e de São Tomás de Aquino (1221 d.C), leitor de Aristóteles.

Também, devido a exames analíticos, se sabe que - como várias foram as transcrições realizadas pelos monges copistas na idade Média - muitos equívocos e adulterações foram realizadas nos textos bíblicos - alguns acidentais - outros para atender aos costumes da época histórica, à cultura e até à censura imposta pela Igreja romana no mundo.

Vários são os autores como, por exemplo: Voltaire, Robert Taylor, Bruno Bauer, Mitchell Logan, Ferdinand Christian Baur, David Friedrich Strauss, Bronson C. Keeler, Abraham Dirk Loman, Samuel Adrianus Naber, Gerald Massey, Edwin Johnson, Rudolf Steck, Albert Schweitzer, Wilhelm Wrede, Thomas Whittaker, William Benjamin Smith, Rudolf Bultmann e Gary Courtney que não acreditam na existência histórica de Jesus Cristo, além de apontar mais de cinquenta contradições nos Evangelhos Sinóticos e a falsidade das epístolas de Paulo, suas obras têm argumentos históricos que mostram a não originalidade do cristianismo apontando as influências das religiosidades caldaica, assíria, babilônica, egípcia, grega, persa e judaica sobre o cristianismo e sobre suas crenças filosóficas como, por exemplo, a ideia da existência de um "Paraíso" para onde iriam os "bem-aventurados" após a morte e o conceito de "ressurreição" que vem do Oriente. O mesmo se dá com a concepção "virginal" de Maria, cuja origem está em um mito grego de dois séculos antes de Cristo. Assim, a maior parte dos fundamentos cristãos, ressaltam esses críticos do cristianismo, provem do Oriente.



Bultmann, idealizador da
"demitologização" do cristianismo


Alguns pesquisadores como Emílio Bossi e José Reis afirmam que a crença messiânica tornou-se muito comum no Mediterrâneo, Norte da África, Sul da Europa e Ásia a partir do século II a.C. não sendo nenhuma novidade aos tempos de Jesus, pois era algo cristalizado filosófica e culturalmente. Para estes dois pesquisadores, no Talmud (livro sagrado judaico), pode-se verificar que no Oriente Médio o nome messias foi atribuído a vários reis como Ciro (Isaias 44:1) e ao rei de Tiro (Ezequiel 28:14), além dos Salmos onde se percebe que os nomes de Jesus e de Cristo foram cominados a líderes religiosos da Antiguidade. Então os nomes "Jesus" e "Cristo" eram títulos atribuídos às autoridades religiosas importantes. Segundo eles é improvável que Jesus seja um homem, é mais provável que seja um símbolo, um ícone que não tenha existência real.



Não se sabe nem se a história da crucificação é real, pois não há relatos de qualquer historiador da época já que as mínimas referências que Flávio Josefo, Fílon de Alexandria, Tácito, Suetônio e Plínio fazem a Jesus (após um exame grafotécnico) foram consideradas falsas. Além disso, Justo de Tiberíades (que escreveu a história dos judeus desde o ano 60 a.C até 70 d.C) nada menciona a respeito de Jesus. Nem Fílon de Alexandria escreveu sobre ele. Até mesmo em relação a Pilatos, existe abundante documentação sobre seu governo na Judéia, mas não há sequer uma carta, um processo, uma ata onde conste o episódio do Gólgota. Nem nos famosos Manuscritos do Mar Morto (encontrados em 1947) existe qualquer menção a alguma figura que se pareça com o Jesus bíblico.

Enfim, o assunto é polêmico e a fé é do âmbito pessoal, mas um problema se estabelece: como não ficar com a sensação de estar cultuando algo que pode, jamais, ter existido? Daí a importância de investigar-se as origens das crenças, da tradição religiosa - que nem sempre equivale necessariamente aos fatos históricos -, e que o sacerdote seja honesto e se esforce para não repetir simplesmente para o crente o que o dogma de sua igreja determina, mas aja dialeticamente discutindo os equívocos históricos, os acertos e também os limites da própria religião.

PLATÃO E O CONHECIMENTO


 Gerson Nei Lemos Schulz



Até hoje, em filosofia, a forma do conhecimento ainda é um problema a ser investigado. Várias são as sinédoques desenvolvidas ao longo dos séculos pelos pensadores ocidentais para explicá-lo. Isto é, como o homem pode conhecer? Como se dá esse processo?


Para Platão (427-347 a.C.) o mundo material é imperfeito. Em outras palavras, Platão queria a garantia última de que aquilo que sabemos é a verdade. Para ele não é possível haver conhecimento falso, pois senão não é conhecimento. Nesse sentido ele concebe a idéia da anamnese (recordação).


Platão admite a existência em todos os homens da alma (psiché) que, em sua doutrina, além de centro de toda inteligência humana, é imortal. Outro pressuposto é que em algum momento remoto da história, antes da criação do homem (pois há um mito da criação também entre os gregos antigos), todas as almas coabitavam entre os deuses, mas quando estas quiseram se tornar como eles, foram condenadas a encarnar em corpos frágeis e mortais.


Respondendo às perguntas da introdução se pode dizer que sua doutrina do conhecimento está disposta na obra Menon. Neste diálogo há uma passagem onde Sócrates interroga um escravo que nunca estudara matemática e, por meio do método maiêutico, faz com que o escravo conclua a fórmula do teorema de Pitágoras. Interpretando esse fato à luz de sua crença na imortalidade da alma, ele conclui que o conhecimento que o escravo demonstrou só podia estar em um lugar: na alma; e esta, assim como a de todos os homens, já contemplou a verdade junto aos deuses. Então, ao encarnar, a alma passa pelo "rio do esquecimento", logo, saber é recordar, pois o homem já sabe mas precisa do professor para auxiliá-lo a recordar o que contemplou junto aos deuses. É por isso que para Platão o mundo físico é inferior ao mundo das idéias ou essências, pois o mundo material é apenas cópia da idéia.

Um exemplo para se compreender isto é citar o trabalho de um carpinteiro. Para construir uma mesa o carpinteiro precisa antes ter a idéia de mesa e pensar em seus detalhes, depois ele corta a madeira e lhe dá forma de mesa. Mas a mesa material não é perfeita como a mesa que o carpinteiro pensou, pois sua superfície, por mais polida que seja, nunca é totalmente lisa, as formas, por mais trabalhadas, jamais são perfeitas. Conclui Platão que a matéria é inferior ao mundo das idéias.


Assim, para o filósofo há duas grandes formas de conhecimento. A doxa (opinião), que ele atribui ao homem comum que vive como que "embriagado" pelos sentidos que embaçam a razão e contribuem para que ele não tenha clareza perfeita das coisas (senso comum). Este conhecimento é baseado na eikasia (imaginação) e na pistis (crença). E o conhecimento filosófico que envolve a matemática (episteme) e o conhecimento noético (essência). Este último somente o filósofo pode obter por meio da intelecção.


Por fim, para Platão, o filósofo deve fugir do mundo dos sentidos, das sombras da realidade e buscar a ciência. Ele deve subir de degrau em degrau até alcançar a idéia suprema pelo procedimento sinóptico. Assim poderá distinguir as idéias últimas (universais) que são as idéias que não possuem idéias anteriores. Esse conhecimento último é eterno e imutável para Platão.

CAMPANHA DA FRATERNIDADE OU DA INCOERÊNCIA?


GERSON NEI LEMOS SCHULZ



Recentemente o Conic (formado por 5 igrejas cristãs mais a Católica), lançou a Campanha da Fraternidade (CF). Este ano o tema é "Economia e Vida". Segundo o monge M. Barros (no Brasil de Fato, 18/02) a CF é a favor da economia solidária e condena o "consumismo".


Para ele a religião deve se intrometer na economia. Citando o relatório da ONU (Metas do Milênio), diz: "em 2008 os bancos ganharam mais dinheiro do que todas as nações pobres do mundo em 50 anos. Em 2009 as instituições financeiras ganharam cerca de US$ 35 bilhões. (Barros, texto da CF, p. 35)"


O mesmo texto afirma que no Brasil há concentração de terras nas mãos de poucas famílias/empresas com 3% das propriedades de mais de mil hectares ocupando 56,7% das terras agricultáveis, enquanto 48% de famílias pobres não têm onde plantar. Por isso ele justifica que a CF proponha: incluir entre os direitos (na Constituição) a alimentação adequada a todos; erradicar o analfabetismo; combater o trabalho infantil e exigir políticas econômicas redistributivas dos bens e das riquezas, chegando-se à "economia solidária". Mas será que isso não é pura demagogia?


Pior, é relativo o conceito de "consumismo" e criticá-lo superficialmente é prejudicar o país e a produção de capitais e empregos na pós-crise. Assim cabe a pergunta: a igreja católica pratica economia solidária? E outra: o Banco do Vaticano não entrou na conta da ONU sobre as instituições que lucraram em 2009?


De acordo com o vaticanista John Allen Jr. (site da universidade Unisinos) o orçamento anual do Vaticano é de US$ 300 milhões. São três suas fontes de renda: 1°) Doações de igrejas locais e conferências de bispos no mundo, pois as dioceses entregam dinheiro ao Vaticano. 2°) Investimentos. 3°) As propriedades: o Vaticano teria 700, sobretudo em Roma, e aluga a maioria delas a terceiros. O que soma um patrimônio de US$ 770 milhões. Fora o que tem em outros países como nos EUA onde a Universidade Notre Dame fecha o orçamento em mais de US$ 1 bilhão.


Por outro lado, estes dados são contestados pela Revista Americana "Time" que diz que o movimento do Banco do Vaticano chega a US$ 15 bilhões de dólares e ele investe em aço, químicos, seguros, ações e construção civil, ramos econômicos nada solidários! É também no Jornal do Brasil de 03/09/2007 que Leonardo Boff cita a pesquisa da Adista (2/6/2007) e afirma: "A especulação imobiliária e financeira rendeu ao Vaticano, em 2004-5, €$ 1,47 bilhão." Dado semelhante aponta a revista italiana Espresso (2007) quando mostra que o Vaticano fechou 2006 com um superávit de €$ 2,4 milhões. Sem falar que a igreja não paga imposto, por conseguinte, ocorre que os hotéis do Vaticano em Roma oferecem preços bem abaixo dos da concorrência. Que solidariedade!


E a propriedade artística? De acordo com o museólogo W. Tavares na revista Mundo Estranho (ed. 96) os valores são: Teto da Capela Sistina, R$ 1,39 bilhão; A Última Ceia, R$ 913 milhões; A Escola de Atenas, R$ 859 milhões. Patrimônios da humanidade, mas quem usufrui é a igreja católica.


Por fim, caro leitor: como merece ser chamada a igreja que fala em fraternidade, em ajuda aos pobres, mas cuja maioria dos sacerdotes desfruta o conforto da milenar e rica estrutura clerical? Prefiro que você mesmo conclua.